Pai, seria suposto escrever-te o quão maravilhoso és, que és o melhor pai do mundo, mas ambos sabemos que isso não é verdade, ambos sabemos o quão difícil é a nossa relação, mas és o meu pai e esse título ninguém to tira. Não sei se sabes, não sei sequer se alguma vez tiveste noção do quão me desiludiste, no quão chateada me fizeste ficar com a vida. Não sei se algum dia percebeste que eu exigia muito de ti e tu ficaste completamente aquém das minhas expectativas. Eu nem sequer sei quem tu és. Sempre foste tão ausente da minha vida, mesmo quando estavas presente, que é como se não te conhecesse. Para mim és memórias de uma criança que ansiava a tua vinda. És a imagem de uma África encantada dos meus sonhos, quando eu ainda nem sabia onde raio ficava essa terra para mim mágica. És a pele queimada da minha infância. És as camisas cheias de cor que eu avistava vir ao fundo da rua, como se dum nevoeiro aparecesses. És os gritos a cada golo do nosso Sporting. E apesar de toda a ilusão que eu criei à tua volta se ter desmoronado, hoje eu sei que a culpa não é só tua. Hoje eu consigo compreender o porquê de tu seres como és e em como isso afectou a nossa relação. Hoje eu respeito as tuas escolhas mesmo que não concorde com elas, porque eu hoje compreendo que antes de seres pai, és homem e que esta coisa de seres pai não me dá a legitimidade para julgar o teu modo de vida. Hoje eu sei que para construir algo são precisos dois e que se eu nunca dei o primeiro passo, também não te podia culpar por nunca teres dado. Apesar da comunicação não ser o nosso forte, eu sei que me amas, à tua maneira é verdade, mas amas e isso ultrapassa quaisquer ressentimentos que possam existir. A forma como te vejo mudou e hoje eu sinto o teu esforço para que a nossa relação resulte. Apesar de nem sempre teres sido o melhor pai do mundo, eu vejo nos teus olhos que te arrependes, mesmo que nunca o tenhas expressado e nem precisas. A nossa relação é mesmo assim, sem falas, sem desculpas, sem declarações de amor e eu aprendi a aceitar isso. Aprendi a ler-te, a encontrar em ti a tua preocupação por mim, a entender o esforço em seres um melhor pai, a ver o amor que muito à tua maneira me dás. Hoje sou eu que me sinto culpada por nunca ter tentado mais, por ajudar a criar esta barreira que nos separa, por nunca me ter esforçado para saber mais de ti e de todas as tuas maravilhosas histórias desse continente para mim sempre mágico. As coisas mudaram, a nossa relação está a mudar e isso é muito mais importante para mim do que seres sempre o melhor pai do mundo. Porque é fácil ser-se sempre um bom pai, difícil é cair na real e fazer algo por mudar as coisas, deixar a mágoa para trás e voltar a construir o que tinha sido destruído. Hoje, eu só quero ter tempo suficiente para conhecer todas as tuas histórias, para voltar a conseguir abraçar-te, para ganhar intimidade contigo, para te conhecer realmente.
Nem sempre foste o melhor pai do mundo aos meus olhos, apesar de na verdade o seres, mas és o meu pai e esse título ninguém to tira.
Desculpa por não ser a melhor filha do mundo.
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